quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

No aconchego da Comunidade São Francisco do Arraia

Relatos visuais da vivência mais profunda que ja tive. Acompanhar a rotina de vida de pessoas que vivem na e da floresta. Das águas, das chuvas, da seca e da cheia.
Reunião da família, esperando começar a Novela da Carminha e dando umas risadas antes pra descontrair.

Quase todos reunidos antes da janta, momento aguardadissimo, conversa, roda de comida e muitas histórias de vida.
A casa do Sapatinho (seu Raimundo) e da Dona Maria. Melhor estadia, melhor comida, melhor conversa, e a mulecada sempre pendurada.
Vista da Área da comunidade. Lá no fundo, a casa da Rejane, Claudemir e dos pequenos Dudu, Rafinha e Guilherme
No final da tarde, muitas pessoas da comunidade se reunem neste lugar sensacional, de frente para o Lago, conversando, rindo, descansando depois de um dia de trabalho e a mulecada brincando lá em baixo. Uma das vistas mais lindas de toda vida.
A peonada reunida indo abrir caminho pro ramal de energia. Os prós é que as comunidades terão energia elétrica em tempo integral, pela primeira vez na vida. O contra foio a forma como aconteceu a derrubada da mata e as condições de trabalho do pessoal. Pude acompanhar de muito perto.


Processo de escrita do projeto Macaco doido na Folia. Ameninada e os adultos estavam afiados. Me espantou a capacidade de aprofundamento que eles tem. Muito espertos, muito ligados, muitos curiosos apesar da pouquissima escolaridade, ou seja, a escola não é o único estimulador de conhecimento.

A cozinha mais bonita da dona Maria. Dali sairam as melhores comidas que comi na Amazônia.
A mulecada na hora do lanche. A partir da direita Jeane, Deuza, Duda (eu que chamo assim), Evila, Felipe e o capetinha mais criativo e ativo Bruno. A Deuza escreve poesias lindas e a Duda virou meu chamego. Todos com uma capacidade criativa impressionante, mas sem o estímulo...
Momento de estimular a escrita. O Dudu, na esquerda, frequenta a escola, mas é pilhado nas atividades que pra gente da cidade é chato. Ele escrevia todo o alfabeto várias vezes e algumas palavras. Já o Marquito, da direita, com seus 19 anos de idade, não sabe nem escrever o nome. Momento de profunda tristeza, de revolta, mas de esperança. O Marquito é muito dedicado, fez tudo que eu propus, mas a frustração de não continuar o trabalho é cruel...
E saca só a mulecada empolgadaça na pintura. Saiu cada desenho que eu emocionei, levei todos de volta pra POA. La em casa a partir de hoje, lápis de cor é item básico. Só falta a mulecada.

Quadro simbolizando a síntese das ideias da comunidade pro projeto cultural.
Essa mulecada me encantou. Me levaram por um mundo mágico, por uma fantástica fábrica de chocolate, e pelo país das maravilhas da Alice. Sentirei muita a falta deles. De ficarem pendurados em mim 28 horas por dia.

Seu Valdir e Dona Raimunda. Ele foi presidente da comunidade por muitos anos, tem uma cabeça sensacional e uma hora conversando com ele foi um semestre de aprendizado intenso. Ela, tranquila, uma das mulheres mais incríveis que conhecí, mais de 500 partos na vida, conhece cada criança e apesar de não enchergar mais com os olhos, as meninas grávidas sempre a procuram para saber como o bebe se encontra. Ela deveria dar aula na universidade, para estes médicos que acham que parto é como ninhada de cadela. Depois de conversar com ela, eu tive vontade de ser parteira.

Eh, almoço de domingo. Muito peixe, muita companhia, farinha e folhinha. Minha família amazonense.  
Vista do Lago de Tefé, da comunidade catuiri de Cima

Vista que a mulecada tem quando vai pra escola na Comunidade Catuiri de Baixo


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Processo de Produção da Farinha

A farinha é um alimento muito apreciado na Região. Ela acompanha toda e qualquer refeição dos e das amazonenses. 
Almoço de Domingo com a Família da Dona Maria e seu Raimundo
Caldeirada de Tucunaré com Farinha

É feita da mandioca brava, que não se pode comer na forma tradicional da macaxeira, pois é tóxica. Da Mandioca Brava se produz a farinha, a tapioca e a tapioquinha. No sul chamamos macaxeira de mandioca, ou Aipim (palavrinha esta típica nossa). Não pensamos nenhuma utilidade alimentar para a mandioca brava no sul, mas no norte, nada se desperdiça. Nunca vi tão pouco desperdício de comida como aqui.

Para produzir a farinha da mandioca brava, eis o caminho:

1° PASSO - Roçar a mata, ou seja, derrubar as árvores do espaço que será realizado o plantio. 
Gugu abrindo espaço pro plantio. Além do calor, os bichinhos de cara com a derrubada da mata, nos atacaram.

2° PASSO - Deixa a mata derrubada secar por aproximadamente 30 dias. Com o sol forte e o calor da Amazônia é ligeirinho.
Volta da roça olhando o Campo seco, quase pronto pra atear fogo

3° PASSO - Depois de seco o mato, após um mês, toca fogo em tudo, utilizando uma tocha feita de casca seca amarrada na ponta de um pau. O que não queimar bem, vira lenha para os fornos depois.
Campo após o fogo "limpar" a área
4° PASSO - Após o solo estar exposto, mais fácil para o plantio, são plantadas MANIVAS (talo, tronco da mandioca) de outras roças em berços (não gosto da palavra cova, pois quem vai pra cova é morto) aleatórios, ao longo de todo o terreno roçado. Está colocada na terra a "semente" da mandioca pra delícia da farinha.
  
Dona Maria colocando Manivas na terra

5° PASSO - Quando as plantas estiverem com aproximadamente 50cm, é realizada uma capina na volta delas, para evitar competição de outras plantas pelos nutrientes do solo. A capina é realizada com o TESSADO, um tipo de facão colombiano.

6° PASSO - Quando a planta cresce mais ainda é realizada outra capina com o Tessado.
Plantação de mandioca do Elson e ao fundo a mata


7° PASSO - Quando o plantio completar um ano, já é hora de colher a mandioca e guardar a maniva para os próximos plantios.

Elson, eu e a Samira colhendo mandioca


OBS: É feito um segundo plantio no mesmo espaço. No entanto, a mandioca sairá com tamanho menor na segunda vez, pois o solo da Amazônia perde nutrientes muito rápido, principalmente quando está descoberto de vegetação de floresta, em decorrência da sua profundidade e da intensidade das chuvas. Após o segundo plantio e colheita, a área entra em descanso, começa a surgir a capoeira, uma vegetação primária, baixa, que vai dando lugar a floresta depois de alguns anos. É como curar uma ferida, que vai fechando. 

8° PASSO - A mandioca é colhida, posta no PANEIRO e carregada para algum igarapé, laguinho, cacimba. Em boa parte distante do local onde é plantada. O paneiro aguenta 100kg de mandioca e é este peso que os agricultores carregam nas costas, o única trasporte disponível: El lomo de campesino.
Volvendo del campo con la comida en el Panero

Os paneiros. Feito pelo Claudemir e a Rejane


9° PASSO - Deixa a mandioca de molho na água por três dias;


10° PASSO - Retira a mandioca da água e descasca. Um processo realizado com a mão, muito simples e rápido.
Vista da Comunidade do Estirão, descascando mandioca com Raimundo e sua esposa. Foto de Daniele Machado

11° PASSO - Carrega a mandioca descascada até a cozinha (como eles chamam o lugar onde se produz a farinha) e despeja na GAREIRA para escorrer. 
Raimundo amassando a mandioca recém descascada

12° PASSO - No outro dia, depois de escorrida a água da mandioca, é hora de cevá-la, ou seja, tritura a mandioca na BANCA.


13° PASSO - Manda a massa, na qual se transformou a mandioca para o TIPITI, e quando estiver enxuta (mais escorrida a água) manda para a peneira.
Tipiti: entrelaçado de fibras de palmeiras parecido com a pele da sucurí.

Massa sendo peneirada

14° PASSO - Após a peneira a massa é enviada para a EMBOLADEIRA.


15° PASSO - Coloca-se a massa novamente na peneira sobre o forno (um tipo de forma redonda gigante). 

16° PASSO - Com o forno a todo vapor, vai torrando a massa, já bastante caracterizada como farinha. A medida que vai torrando, a farinha vai ganhando a cara tradicional, amarelada e bem solta.



17° PASSO - deixa a farinha esfriar para guardá-la no saco.

18° PASSO - Vai suspendendo a farinha no ar (jogando para cima) para ir saindo os "grãos" mais finos. 

19° PASSO - Leva pra casa, vende no mercado.

20° PASSO - Come com uma caldeirada de TUCUNARÉ.

21° PASSO - Come com um peixe assado e arroz.

22° PASSO - Faz uma farofa com couve.

23° PASSO - Deixo pra tua criatividade resolver...